Rádio Reverberação

domingo, 28 de junho de 2020

Os meninos que criamos

The Mask You Live In / Divulgação


O assunto não é novo, mas está longe de ser esgotado. Uma importante amiga essa semana me convidou para assistir um documentário chamado “The Mask You Live In”, de Jennifer Siebel Newsom . Esse é um filme que fala sobre mim, sobre todos os homens que eu conheço, e todos aqueles que eu não conheço. Trata sobre os efeitos da masculinidade tóxica nos meninos que um dia se tornarão homens, e de homens que um dia foram meninos. Essa toxidade é nefasta tanto no ponto de vista emocional, quanto físico. Trata-se do momento em que o homem perde a humanidade, se esconde, e ataca o que é socialmente descrito como diferente dele. Como é fortemente discutido no documentário, a masculinidade não é orgânica, é reativa... e se força a ser contrário de tudo aquilo que é feminino.

Muito do que somos hoje aprendemos quando crianças. Nos ensinaram que homem não chora, não demonstra fraqueza, que temos que ter sempre o controle da situação, que devemos saber jogar futebol (e sermos bons nisso), que devemos pegar todas as meninas possíveis e pensar sempre de pau duro batendo no teto (aí daqueles que não conseguem segurar a ereção), não devemos ser amigos das meninas, não podemos ser íntimos dos meninos. Enfim! Há uma série de barreiras que nos são impostas ao longo de nossa formação que determina o que é ser homem. Mas a figura do macho alfa é difícil de alcançar. No perfil do homem perfeito quem se encaixa?

Os meninos sofrem. Sofrem por serem criados sob violência. Afinal, um homem duro, casca grossa, forte e destemido não se faz passando a mão na cabeça diante de um erro. A frustração diante da rejeição do pai, do amor não correspondido, do trabalho não conquistado, do gol perdido, do futuro que parece nunca se realizar engole o garoto que se fecha e se transforma em uma bomba-relógio. Como lidar com isso? Procurando a causa das frustrações e trabalhar para transformá-las? Claro que não! Reage-se! O menino é ensinado na porrada. E quando se aprende com violência, age com violência.

E a violência se manifesta de diversas formas. Primeiro contra si mesmo. É notável no homem comportamentos excessivos. Bebe muito ou usa drogas (as vezes as duas coisas ao mesmo tempo), isola-se diante das pessoas e do mundo, a ponto de se comprimir tanto que não dá conta de sua própria existência. Segundo a OMS, o suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens entre 15 e 29 anos no mundo. Segundo contra aquilo que ameaça a sua masculinidade e o seu posto como ser superior, principalmente mulheres e homossexuais. O assédio aqui é destruidor. Seja moral ou físico, a masculinidade põe em risco a integridade de todos. O homem é sim um agressor em potencial.

Ela se manifesta nas pequenas coisas, e todos nós somos responsáveis. Não adianta me considerar “desconstruído” se na primeira oportunidade eu fizer uma piadinha para o meu amigo do lado sobre o “rabo daquela novinha”, ou sobre o quão “bicha é o cara ali com aquele monte de maquiagem”; se eu não me constranger quando, mesmo aparentemente sem intenção interrompo uma mulher quando ela fala, ou para “enfatizar” uma fala dela repito a mesma coisa para que a minha voz seja a última a ser ouvida. Isso não pode ser tratado como se fosse normal... é só pedir desculpa e está tudo bem! Não está.

Todos nós vivemos em uma sociedade onde o machismo é estrutural. Em maior ou menor grau todos nós somos. No entanto, o machismo é feito para glorificar o menino e secundarizar a menina. Somos criados para ser os fodas, os picas-das-galáxias. O órgão genital masculino é motivo de orgulho, tanto que se não funcionar como se espera pode ter um efeito psicológico devastador. A menina, não! Elogiar uma garota pelo seu sucesso de “bucetuda” é escandaloso. O órgão genital feminino é um xingamento, não elogio.

A indústria midiática molda a segregação. Os meninos são os heróis destemidos, as meninas as princesas delicadas. Os meninos têm os maiores brinquedos e os mais violentos, as meninas ficam com as bonecas realistas. Os meninos vestem azul, as meninas rosa. Tudo isso tem uma hierarquia. 

Hoje é 28 de junho, dia do orgulho LGBTI. Uma data simbólica que fere os princípios bíblicos da masculinidade, assim como 8 de março. Essas datas são simbólicas por marcarem lutas por justiça e equidade, pela não-violência e por princípios básicos de humanidade. Além disso, são datas pedagógicas. É a partir da existência dessas datas é que devemos aprender a construir um mundo para que elas não sejam necessárias. Levantar a bandeira do orgulho hétero, ou do dia do homem é patético.

Já me estendo demais! Mas quero fechar minha reflexão falando sobre um vídeo que outra pessoa que estimo muito me enviou recentemente. Se trata da leitura do livro infantil “A parte que falta”, de Shel Silverstein. É sobre um ente que vai rolando e rolando em busca da parte que lhe falta. No meio do caminho vai acontecendo um monte de coisa... brinca com a borboleta, ultrapassa e é ultrapassado por um besouro, encontra pedaços que encaixam e não encaixam... pedaços que querem se encaixar e outros que não querem... quebra alguns, perde outros... as vezes acha, mas mesmo assim não parece ser aquilo que procura. Entende que sempre terá buracos, e que por mais que tente tapá-los não necessariamente ele estará completo, e mais! Os buracos nem sempre precisam ser tapados. Está tudo bem! É isso que precisamos ensinar para os meninos. Os homens devem chorar quando quiserem chorar; devem ficar em casa quando não quiserem sair para conhecer mulheres e ficar com elas... não querer tá tudo bem; não precisa saber jogar futebol ou ser impecável no truco. Não tem que impressionar ninguém, não tem que ser o melhor... mas deve aprender que só se torna humano quando se compartilha.

O mundo não é assim, foi construído assim. Cabe a nós, principalmente os homens, criarmos meninos diferentes.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

As faces do oportunismo: o Palmeiras, o vexame e o ódio


O oportunismo veste a face de Janus. Sobre a continuação da polêmica de domingo na entrega da taça de deca campeão brasileiro ao Palmeiras. A ação promovida pelo clube e pela CBF de oferecer ao presidente eleito palanque foi a mancha mais terrível da história do Verdão. Nada justifica o convite e a imagem que se tirou daquilo. Como palmeirense estou absolutamente envergonhado pela posição tomada pela instituição que sou fã desde 1993. Envergonhado por ver um clube com tamanha tradição, de origem operária, de histórico apelo popular virar as costas para o legado do time e cuspir na cara de seus torcedores ao flertar com populista que troca a camisa de acordo com a conveniência. O Biroliro não é palmeirense, não é flamenguista, não é gremista... ele não é nada. Ele torce para o seu próprio brilho, e Palmeiras erra de maneira execrável ao permitir que isso ocorresse em seu solo. Se fosse outro presidente eleito ou exercício em campo seria igualmente um erro. Comemoração de um título nacional como esse não é de cunho político-partidário. Ao contrário do que disse a múmia, de valor competitivo de um esporte amado pelo brasileiro, o título palmeirense não é de todo torcedor brasileiro. Ele era para ser só nosso, mas nos foi roubado. Roubaram a graça de ser o maior campeão de todos. Abre-se a partir daí a crítica. A diretoria palmeirense tem que ser duramente repudiada por isso. É a falência moral de um clube que cada vez mais tem se afastado de seu torcedor popular e se aproximado de uma camada que só o enxerga como mercadoria. No entanto, entre as legítimas e aqui apoiadas críticas tenho lido postagens impressionantes nas redes sociais em relação a isso. O grau de animosidade e bestialidade é assustador, com isso vem o outro lado do oportunismo. A racionalidade é seletiva. Os mesmos que vestiram a roupa do “sua tia não é fascista, ela está sendo manipulada”, que ficou pop durante as eleições, são os que hoje postam que todo o palmeirense é fascista por “comemorar o título com quem acabou com o ministério do esporte”. Não existe virgem no puteiro. Estão se valendo de clubismo, e não engajamento político (porque sinceramente acho que não tem nenhum) para não só deslegitimar o título (que é normal, esse é o papel do perdedor), ou para criticar a postura deplorável do clube nesse episódio (de novo, tem meu total e irrestrito apoio), mas também para aproveitar todo aquela ponta de ódio ao outro que todo brasileiro tem para eleger mais uma casta fascista: agora todos os palmeirenses. Pessoas essas que eu até reconhecia a inteligência e a razoabilidade, mas pelas manifestações recentes temo ter me enganado rudemente. Quando a “Gaviões da Fiel” lançou a sua nota contrária a candidatura do, agora, presidente eleito, fiquei receoso para o que se confirmou imediatamente, ou seja, a “Macha Verde” não embarcou. Um erro! Porém, esquece-se que a torcida do Palmeiras é muito maior do que isso. Há entre nós comunistas, antifascistas, progressistas. Homens e mulheres que lutam pelo bem do futebol e pelo bem do alvi-verde de Palestra Italia. Mas na busca pelos likes desejados e para a creditar a si mesmos como paladinos da moral de esquerda atacam agora todo uma torcida de futebol. Não me envergonho de ser palmeirense. Me envergonho do episódio lamentável que a diretoria do meu time protagonizou no dia 02 de dezembro de 2018. Comemoro o título esportivamente legítimo do Palmeiras, mas o deca estará eternamente manchado pela traição.

domingo, 16 de setembro de 2018

O voto útil e o caminho da vala



Política é bizarra em todo lugar. No Brasil não é diferente. Em ano de eleições por aqui a coisa fica bem divertida. Isso, é claro, não é necessariamente bom. Sem sombra de dúvidas essas eleições estão cheias de possibilidades e está difícil de cravar quem vai para segundo turno, para disputar com o coiso, o que potencializa a bizarrice deste pleito. Acompanhando os acalorados debates é possível perceber pelo menos quatro elementos que estão conduzindo as campanhas: 1) Há um forte sentimento de necessidade do combate ao candidato na extrema direita, que une certa esquerda e aqueles que sabiamente o enxerga como uma ameaça verdadeira à democracia; 2) Há os eleitores do PT que confiam vorazmente na capacidade do partido em colar na imagem do Lula e convencer aqueles que não querem ser convencidos que o ex-presidente é (e é mesmo) preso político e que o PT sofre um forte boicote (+ ou -). Tem o Haddad agora como candidato, mas que prejudicado pela estratégia kamikaze do partido não conseguirá emplacar identidade própria (poste? Não... despeito dos adversários; 3) Há também um fenômeno novo: o cirismo. Candidato desde 1998 o novo paladino da eficiência enxergou nesse atual cenário de caos político a oportunidade de finalmente se eleger presidente da república. Não conseguiu a coligação que queria e conseguiu angariar uma militância rancorosa que devolve aos amiguinhos abandonados toda a desconfiança que se tem do seu candidato desconfiável... com Kátia Abreu e tudo; 4) A sombra Marina Silva, um câncer que aparece de quatro em quatro anos para tumultuar ainda mais a coisa e embolar a corrida por fora. O maior perigo do segundo turno. Geraldão e o resto poderia ser um quinto elemento, mas tô deboa. Frente a esse cenário a impressão que dá é que a partir do próximo ano não teremos um presidente que realmente queremos. O voto útil, aquele que vai barrar o candidato do PSL (sim! PSL) não está carregado de ideologia, crença ou militância. Isso é mentira. O medo de ter um presidente merda está conduzindo grande parte do eleitorado brasileira a apenas votar “estrategicamente”. Isso seria maravilhoso se estivéssemos em um cenário democrático ideal, mas não estamos. A briguinha que se instaurou entre as campanhas de Ciro e Haddad além de patética reforça um campo de indecisão que é ótimo para o outro lá. O tempo da união já acabou, cada um no seu quadrado, mas o voto do “não” o “útil” vai eleger o presidente que a gente não quer. O golpe de 2016 minou profundamente a nossa política. Fez com que Henrique Meirelles, Álvaro Dias e CABO DACIOLO fossem a debates presidenciais. O Brasil ainda vai sofrer muito com a incapacidade de produzir políticos. Independentemente de quem ganhar... ou não leva ou empurra gente pra vala de vez.


sábado, 13 de janeiro de 2018

Futebol x Política: lados tão opostos?


Em ano de eleições ser aficionado por futebol se torna, imediatamente, um crime hediondo. Isso se dá, principalmente, por ser ano de Copa do Mundo. Muitos se inflamam, compram álbuns de figurinhas, pregam a tabela na porta do guarda-roupa... se tornam os mais ativos comentaristas do esporte bretão. É claro que isso é intensificado de quatro em quatro anos, mas já há muito nossas quartas e domingos são reservados para que em 2 duas horas se possa ter uma miscelânea de sentimentos assistindo 22 pessoas correndo atrás de uma bola tentando coloca-la dentro de retângulo consideravelmente grande. Mas isso é uma cretinice!! É absurdo que frente a um cenário de desmonte das instituições públicas, constantes casos de corrupção no governo, de golpes em prática e retorno do país aos piores índices econômicos (embora o Planalto diga o contrário), se preocupar com que jogador foi comprado ou vendido por um clube é o mais nojento ato de alienação. Estamos todos perfeitamente aptos a falar sobre música, artes plásticas, literatura, cinema, etc, somos críticos por natureza e definição. Afinal, deixar ligado o Spotify durante uma sessão da Câmara dos Deputados enquanto leio as ótimas resenhas do Omelete é muito mais politizado do que comemorar um gol do Palmeiras, isso não! Sabemos que as redes sociais são, e o Facebook encabeça isso de longe, os melhores lugares para destacar a incompatibilidade ideológica de ser militante político e torcedor de futebol... rende muitos “likes”! Incontáveis vezes já li posts que criticavam profundamente não o esporte, mas aqueles que o amam. Na visão daqueles que não gostam, de fato, o futebol é o “ópio do povo”... acreditam que há uma mágica que cega as pessoas e não as permitem que vejam as mazelas do mundo. Como se o futebol fosse o culpado disso. O esporte, esso sim, faz parte disso. Os estádios brasileiros, que já foram os maiores e mais cheios do mundo, democráticos, que ninguém se importava se o cara do seu lado na “geral” era rico ou pobre, preto ou branco, hétero ou homossexual... ali todo mundo tinha um só coração. Com as transformações do país, com as novas políticas, novos públicos, novos estádios o povo pobre, que sempre foi a maioria, está cada vez mais afastado da vida do futebol. Ingressos caros, obrigatoriedades em ser sócio torcedor, uniformes inacessíveis... isso é imagem de um cenário político grave. O esporte, esse não tem nada a ver com isso. O torcedor, muito menos. Quem dirá que o senhor com essa camisa improvisado do Corinthians realmente não está preocupado com os rumos que a sua vida está tomando e não entenda que isso é resultado de políticas públicas que não o inclui. Mas o amor que ele tem pelo Timão não muda, não faz dele uma pessoa ruim e desinteressada. Como tudo nesse mundo, o futebol (não o esporte, mas o seu gerenciamento) é um negócio e que dá muito dinheiro. Mas assim como em tudo nessa vida, cada vez mais menos pessoas podem usufruir disso da forma que gostaria. Comprar uma camisa de R$250? Não é a camisa que fará a diferença. Voltar-se fervorosamente contra o futebol? Muito menos... estão matando o futebol, isso já é sabido... mas, quem jogará a pá de cal?

sexta-feira, 7 de abril de 2017

E quem ganha a guerra?

Imagem fornecida pela Marinha norte-americana mostra lançamento de míssil
a partir destroyer americano em ataque a base aérea síria

No colégio ao estudar História aprendi que no percurso da humanidade o conflito bélico sempre teve significativa presença. As grandes conquistas, os maiores homens, as incríveis expansões foram frutos do desespero, da violência e de sangue. Fosse em nome de Deus ou da Nação, sobrepujar o inimigo apresentava-se como o caminho mais rápido para a glória. Os dias de paz tornavam-se engodo. Aumento da população, necessidade de abastecimento, possibilidade do fim do acúmulo, falta de espaço, etc. A paz não é um bom negócio. A paz deixa o ser humano invisível. É difícil saber o nome daquele vizinho que fica deboas, acorda cedo e vai trabalhar, passa na padaria antes de ir para casa e quando chega toda seu banho, vai jantar assistindo um filme ou uma série sem causar grande alarde. Talvez nem saibamos o nome desse vizinho. Mas quem nunca esquecerá do “Seu Asteriovaldo” (nome fictício), aquele que furava a bola das crianças quando caia em seu quintal, que soltava o cachorro para afastar o vendedor de enciclopédia, que ficava xingando o outro vizinho que colocava Raça Negra alto para fazer o faxinão de sábado e fiscalizava a vida de todo mundo naquele pedaço de rua? Esse a gente nunca esquece. Esse entra para a História! Afinal de contas, quem não gosta de mandar indireta “pras inimiga” no facebook? Há alguns dias eu estava na praça da cidade arrebatando um taio, quando começou uma briga de adolescente ao lado do coreto. A coisa parece que estava feia, pois chamou muita atenção, sobretudo de um pessoal que estava sentado ao meu lado, em que um dos membros abriu um sorriso de todo tamanho e disse algo como: “Nossa!! Vamos lá gente... isso é a melhor coisa”. A violência diverte! Em maior escala, ela faz o mundo girar. Síria, EUA e Rússia estão abrindo um novo capítulo da história sem fim. A barbárie deve ser combatida com firmeza nas ações. Custe as vidas que custar! Foram apenas os 100 primeiros mortos por gás, só 50 mísseis lançados! Céu e Inferno fazem parte de um conjunto habitacional popular. Muros baixos e casas semelhantes demais para distinguirmos só de olhar.



quarta-feira, 23 de março de 2016

Nos escombros da política todos se soterram

Foto: Ricardo Moraes, Reuters - (25/10/2014)


A ferida político-social escancarada no Brasil após a vitória legal e democrática da presidenta Dilma Rousseff pode ser fechada? Os posicionamentos políticos dos cidadãos estão se tornando cada vez mais intensos e falsamente polarizados  sem ao menos termos a real dimensão desses polos... e velhos conceitos estão sendo empregados com convicção e o habitual esvaziamento de sentido: direita e esquerda; golpistas e legalistas; tucanos e petistas (parece que só existem dois partidos no Brasil), etc. Discursos de ódio têm tomado as ruas, os bares, os concertos de heavy metal com muita naturalidade... espaços públicos onde a ofensa onde até pouco tempo existia mas era contida e envergonhada, agora é mais explicita e corajosa... Há também os arautos do liberdade, paladinos da democracia que para acreditarem demais nas instituições e acabam por defender o indefensável... convenhamos é necessário. O ensaísta uruguaio Hugo Achugar já apontou que as gerações pós Ditadura Militar (ele fala sobre o caso de nossos vizinhos, mas arrisco dizer que não somos diferentes), ao contrário da geração pré Ditadura acreditam muito mais na real possibilidade de seu retorno, do que os mais velhos acreditam um dia ter uma ditadura daquele porte. Em hipótese alguma acredito no retorno aos tempos sombrios, mas ao ver a tentativa de golpe jurídico-parlamentar em voga é de se imaginar que nosso futuro será duríssimo. Estou lendo e ouvindo muito sobre o acovardamento do STF, que tem força para julgar uns e não outros. Não acho que o STF esteja atuando de forma covarde – de maneira alguma -, acredito que esteja agindo de má fé. O Supremo tem condições de garantir o funcionamento do governo ao mesmo tempo que pode deixar a Lava-Jato continuar, desde que seja conduzida de maneira que não provoque incêndios e que seja de fato justa. Mas enfim, do juiz Sérgio Moro, o passe-livre (esse tem) do deputado Eduardo Cunha, bem como o coquetel molotov chamado PSDB têm impossibilitado o funcionamento do já previamente complicado governo de Dilma. Incitado pela Globo e outros grandes meios de comunicação a onda fascista tirou as camisas verdes (agora com detalhes em amarelo) do armário. Atualmente pode ser extremamente perigoso sair de camisa vermelha na rua e levar uma pedrada na nuca... é preciso escolher bem o que falar e em que lugar. As manifestações populares (algumas nem tão populares assim) têm gerado uma tensão que ao explodir pode instaurar um estado de violência perigosíssimo. As famílias que em 2015 até conseguiram almoçar juntas no natal, esse ano pode ser que não consigam... e depois? E se Dilma cair? A velada paz brasileira voltará? Independentemente do que escolher... quando o muro for demolido os escombros cairão dos dois lados.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Vermelho é a cor mais perigosa



Assim como tantas outras coisas, uma simples cor pode, em determinada situação, se tornar um vigoroso símbolo. As cores da bandeira nacional, de um estilo musical, da sinalização de trânsito, do escudo do time do coração, etc... as cores são mais do que cores. Com elas pintamos o mundo, de tons variados de acordo com nosso estado de espíritos e paixões. Em tempos sombrios um feixe de luz é o suficiente para iluminar uma câmara escura e projetar na parede imagens que não dão a noção do que está lá fora. Mas afinal, o que está lá fora? Nas disputas pelas cores em nossa atual e insana guerra política o verde e o amarelo, motivos de orgulho esportivos e nacionalismo seletivo, é diariamente banalizado ao ser mobilizado pelo um enorme grupo de pessoas que ao se posicionarem em um perigoso lado político usam as cores como um escudo da moral, dos bons costumes e da idoneidade. Em contraposição o vermelho, a cor de tudo que há de mau no mundo, o pomo da discórdia a ponto de até bebês (sim, crianças... os malvados bebês de Rosemary) serem hostilizadas por que suas mamães quiseram enfeitá-las com os desenhos da Minnie e Homem-de-Ferro (ambos terríveis comunistas). O vermelho que traz em si mesmo todo o colorido, a cor do nosso sangue, do desejo e da paixão, a mais sedutora e que desperta no ser humano as mais profundas idealizações se torna ao mesmo tempo um sinal de perigo ao que ousam ostentá-lo em praça pública. A culpa é do vermelho, que ousou estampar a bandeira de um (de vários, na verdade) partido fundado por trabalhadores e que um dia ameaçou a ordem e o progresso instaurado pelos democráticos verde e amarelo. O outono chegou para anunciar o iminente e gélido inverno, que pode demorar décadas para passar... e o quente e aconchegante vermelho, o mesmo que poderia nos trazer um alento será o mesmo imã do medo e da violência. Pobre vermelho... não se preocupe, não deixarei você mofar no fundo do armário.